“A instalação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Câmara dos Deputados para investigar a inconsistência contábil de R$ 20 bilhões nos balanços financeiros da Lojas Americanas pode ser considerada ‘sem cabimento’ e desnecessária.” È o que diz o advogado especializado em Direito Empresarial e recuperação judicial, Fernando Brandariz, para quem essa criação não é razoável. Na sua avaliação, a CPI irá apurar algo que já está sendo investigado.
“O processo de recuperação judicial da Lojas Americanas já é fiscalizado pelo administrador judicial, credores, juiz que preside o processo e a CVM”, avalia o especialista. A criação da comissão no Legislativo ocorreu nesta quarta-feira, sob alegação de uma necessidade de investigar a possível fraude na empresa.
Brandariz vai mais além e destaca que o Congresso, em geral, deveria se preocupar com outros temas necessários e não com os já fiscalizados, como é o caso da Americanas.
“Existem outras coisas necessárias de discussão, como a reforma tributária, arbitragem tributária, aumento do teto do regime especial do Simples, a instituição do TRUST no ordenamento jurídico brasileiro e o marco legal do reempreendedorismo. Não faltam assuntos por lá”, critica.
O requerimento de abertura da CPI é de autoria do deputado André Fufuca (PP-MA). No pedido, o parlamentar justificou que o caso da Americanas afeta a credibilidade de todo o mercado de ações no Brasil. Para a presidência, foi escolhido o deputado Gustinho Ribeiro (Republicanos-SE). A relatoria ficou com o deputado Carlos Chiodini (MDB-SC).
A Lojas Americanas está em recuperação judicial desde janeiro, após a 4ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro ter aceitado o pedido nesse sentido feito pela empresa. Além da inconsistência contábil de R$ 20 bilhões, as dívidas da varejista somam R$ 43 bilhões, entre aproximadamente 16,3 mil credores.
Os pedidos de falência e recuperação judicial no Brasil cresceram 40% nos primeiros meses deste ano em comparação com o mesmo período de 2022, mostram estudos da Serasa Experian.
Segundo a advogada Taciani Arcebi Campagnaro Colnago Cabral, sócia-fundadora da Acerbi Campagnaro Colnago Cabral Administração Judicial (ACCC Administração Judicial), o quantitativo sofre, habitualmente, variações, “não se retratando uniformemente distribuídos no tempo, o que é próprio das intempéries inerentes à atividade econômica no país”.
Segundo ela, tal circunstância se revela ainda mais evidente em realidades econômicas como no Brasil, cujo padrão de desenvolvimento econômico expõe de modo muito representativo os empreendimentos às turbulências do mercado. Mas o aumento de 40% deste ano preocupa.
“É inegável que o mencionado percentual sinaliza que na economia nacional as empresas enfrentam cenário de crise relevante, alcançando inclusive importantes atores de diversos segmentos”, afirma Taciani Campagnaro.
Ela explica que, em uma análise superficial da economia, dá para perceber que a política de juros adotada pelo Banco Central concorre para o crescimento da crise das empresas.
“A Selic está, atualmente, estabelecida em 13,75% ao ano, que representa mais de seis vezes o índice médio aplicado em 2020 e bem próximo do maior percentual da década (14,25% em 2015), mantendo o Brasil como o país de maior percentual de juros reais no mundo.”
Taciani Campagnaro avalia que o patamar da taxa básica de juros, apesar de ter a função de conter evolução inflacionária, acaba pressionando o nível de endividamento e aumentando os índices de inadimplência, “o que repercute em estagnação da atividade econômica, importante fator para a insolvência empresarial”.
De acordo com ela, não há como negar que esse quadro estabelece considerável dificuldade na construção de estratégias de financiamento sustentável dos empreendimentos, o que induz a uma relação direta entre a estagnação econômica e a crise dos empreendimentos, na medida em que a taxa de juros é integrante do processo de precificação.