Os bens essenciais da empresa rural em crise

O agronegócio é um dos principais motores da economia nacional. Ainda assim, muitas empresas do setor se veem às voltas com crises que exigem o ajuizamento de pedidos de recuperação judicial. Uma de suas  principais questões remonta à identificação de bens essenciais. Eles devem comportar tratamento jurídico diferenciado no procedimento, de forma a não inviabilizar a reestruturação da atividade e a própria sobrevivência da empresa rural em crise.

É justamente este o sentido da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) acerca do artigo 49,  parágrafo 3º, da Lei n.º 11.101, de 2005, que prescreve que a posição de proprietário fiduciário ou de titular de reserva de domínio, apesar de acarretar a não sujeição do crédito ao concurso de credores, não pode causar a destituição da empresa quanto a bens de capital essenciais à sua subsistência (CC n.º 162.066/CE, min. Luis Felipe Salomão).

A causa do imbróglio remonta justamente a este aspecto, tendo em vista que o acervo patrimonial de maior valor agregado de uma empresa rural se refere à sua própria produção primária ou secundária, tal como se infere nos grandes empreendimentos de cultivo de soja, cana-de-açúcar e produção de etanol.

Não é por outro motivo que esses produtos são frequentemente ofertados em garantia de operações bancárias de crédito, as quais, com o escopo de assegurar condições mais favoráveis de contratação, tem por elemento marcante a reserva de domínio ou a natureza fiduciária da propriedade.

É este o cenário para o debate judicial mencionado, que tangencia fundamentalmente à identificação acerca de os bens consistentes na própria produção agrícola de uma empresa poderem ser, ou não, considerados essenciais à sua atividade.

A jurisprudência dos tribunais estaduais revela precedentes nos dois sentidos. A discussão é centrada na definição do que seja bem de capital e na aferição de sua essencialidade, destacando-se precedente do STJ que estabelece que bem de capital é patrimônio corpóreo, móvel ou imóvel, não perecível e não consumível, que detenha condições de ser restituído ao credor ao final do stay period, no caso de permanecer configurado o estado de inadimplência (AREsp n.º 2.104.939/DF, min.ª Nancy Andrighi).

Tal concepção é permeada, ainda, pela verificação de que, para fins de classificação do IBGE, a noção de bens de capital quanto a empresas agrícolas se restringe ao maquinário empregado na produção. A conjugação dos referidos argumentos tende a conduzir à conclusão de que o próprio produto agrícola não deveria, ao menos em tese, ser reconhecido como bem de capital essencial à manutenção do empreendimento.

Apesar disso, a realidade do mercado não tem observado tais diretrizes, sopesando a reiterada posição de instituições financeiras considerem a produção como o ativo mais precioso das empresas rurais, reservando a ela o papel de bem que se presta à garantia real do crédito, como se fosse um maquinário da empresa.

Ademais, não há como deixar de constatar a flagrante essencialidade de ativos de tal natureza, especificamente porque, em sendo viabilizada sua imediata apropriação pela instituição financeira, ficará a empresa rural destituída do único produto de seu empreendimento, colapsando por completo seu fluxo de caixa.

*Sócia-fundadora da Acerbi Campagnaro Colnago Cabral Administração Judicial